
Sérgio Buarque de Holanda (1995) já nos alertava: o homem cordial não separa o público do privado. Em vez de relações profissionais baseadas em competência e resultados, criamos redes onde o viés afetivo e o jogo de favores pesam mais do que critérios técnicos. No Brasil, networking muitas vezes significa apadrinhamento, lealdade pessoal e alianças emocionais, e não uma construção legítima de relações profissionais.
De quem é o cargo? De quem tem qualificação ou de quem tem boas conexões?
Será que você tem talento para fazer networking no Brasil?
Talvez não seja uma questão de talento técnico, mas de flexibilidade moral. Para se dar bem em ambientes onde amizades valem mais do que currículo, algumas características podem ser mais úteis do que competência:
Poucas convicções sobre si mesmo – assim você se molda ao gosto de quem está no poder.
Nada de princípios muito rígidos – pois mudanças de rota são essenciais para se manter bem relacionado.
Boa dose de bajulação estratégica – porque a lealdade emocional vale mais do que um bom trabalho.
Como bem coloca Pierre Bourdieu (1989), o capital social é uma moeda poderosa, mas quando usado para criar feudos exclusivos, torna-se um mecanismo de exclusão e mediocrização do mercado. No Brasil, o que deveria ser um capital social produtivo vira um sistema fechado, onde:
Portas se abrem não pelo talento, mas pela proximidade com quem já está dentro;
O “QI” (quem indica) pesa mais do que um histórico de entregas e inovação;
A excelência cede espaço à conveniência e ao alinhamento afetivo;
Os discursos sobre governança e gestão de alto nível são apenas slogans vazios.
Richard Sennett (1999), em A Corrosão do Caráter, já alertava que o excesso de laços emocionais no trabalho mina a imparcialidade e enfraquece a cultura de profissionalismo. No Brasil, essa lama emocional faz com que empresas e instituições tomem decisões baseadas menos em dados, performance e planejamento e mais em carências, vaidades e lealdades subjetivas.
O Mercado Brasileiro: Profissionalismo ou Teatro de Emoções?
Nos vendemos como um país moderno, globalizado e competitivo. Mas se as decisões ainda passam pelo viés afetivo e não pelo mérito, até onde essa narrativa se sustenta?
Empresas falam em compliance e performance, mas seguem reféns do “quem conhece quem”.
O mercado se diz transparente e técnico, mas grandes decisões são tomadas na base do feeling e do favoritismo.
Se o emocional e a carência seguem guiando o ambiente corporativo, continuamos sendo um país de amadores.
E aí, será que você tem talento para jogar esse jogo? Ou será que, para se dar bem, o melhor é não ter muitas convicções e aprender a dançar conforme a música – mesmo que desafinada?
Esse não é o retrato total das empresas no Brasil, há outras que combatem seriamente essa cultura da “cordialidade”. Então, se você não tiver esse talento, procure uma empresa séria ou um contrato no exterior, pois lá tudo que é pessoal, até mesmo a idade do candidato não é algo relevante para a empresa, nem se você tem filhos, uma vez que o que conta é o que você pode entregar como profissional. Tudo que é pessoal é deixado de lado na avaliação. Mas aqui, todo cuidado é pouco, torcer para o Corinthians já pode ser um problema.
Essa foi mais uma edição de Quintas do RH, um espaço para refletir sobre o mundo do trabalho e seus paradoxos. Para não perder conteúdos como este, siga nossas redes sociais e assine nossa newsletter!
Referências Bibliográficas:
- HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
- BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
- SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.