
“Se não podemos escolher nossos corpos, podemos ao menos escolher nossas imagens?” A pergunta ecoa na era dos filtros, procedimentos estéticos e padrões em mutação. A aparência, longe de ser um detalhe, é um campo de disputa: expressamos identidade, desafiamos normas e, muitas vezes, nos submetemos a um ideal de beleza que, mais do que estético, é político.
Historicamente, o que consideramos belo nunca foi apenas uma questão de gosto. Como apontam autores como Pierre Bourdieu (1979), a estética está atrelada ao habitus—as disposições socialmente adquiridas que estruturam nosso olhar. O que julgamos “elegante”, “natural” ou “harmonioso” diz mais sobre a sociedade do que sobre o objeto em si. Quem tem o poder de definir o que é belo? Quem é aceito e quem é excluído dessa narrativa?
Na contemporaneidade, a beleza passou a ser também um produto de mercado. A pesquisa da McKinsey & Company (2018) sobre a Geração Z aponta que essa nova leva de consumidores valoriza a autenticidade, mas também está imersa na lógica do aperfeiçoamento constante. A ideia de uma estética plural e diversa convive com um arsenal de aplicativos, clínicas e cosméticos que prometem uma versão melhorada de nós mesmos. Como equilíbrio é uma palavra escassa na cultura digital, a pressão por um corpo que fala bem no feed pode ser mais um fator de ansiedade e exclusão.
Na era das redes sociais, a estética tornou-se uma forma de comunicação instantânea, mas também um campo de vigilância. Quem pode aparecer sem filtro? Quem pode envelhecer sem ser invisibilizado? Quem pode ocupar espaços de poder sem precisar moldar sua imagem aos padrões vigentes? A reportagem da Gama Revista nos lembra que, se “ninguém mais é feio”, talvez seja porque as exigências nunca foram tão altas.
Se a aparência é política, podemos usar essa consciência para criar novas narrativas. O corpo não precisa ser um campo de batalha. Talvez, em vez de seguir roteiros impostos, possamos escolher histórias que nos façam sentido.
Quartas do Pensamento é um espaço para refletirmos sobre as tendências contemporâneas e seus impactos em nossa vida. A cada semana, exploramos temas que desafiam nossa forma de ver o mundo, cruzando referências de sociologia, antropologia, filosofia e cultura para provocar novas perspectivas. Aqui, o foco não é apenas informar, mas instigar questionamentos e gerar debates relevantes.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A Distinção: Crítica Social do Julgamento. São Paulo: Edusp, 1979.
GAMA REVISTA. Ninguém mais é feio. 2024. Disponível em: https://gamarevista.uol.com.br/semana/qual-e-a-sua-vaidade/ninguem-mais/. Acesso em: 15 fev. 2025.
MCKINSEY & COMPANY. True Gen: Como a geração Z impactará as empresas de bens de consumo. 2018. Disponível em: https://www.mckinsey.com/industries/consumer-packaged-goods/our-insights/true-gen-generation-z-and-its-implications-for-companies/pt-BR. Acesso em: 15 fev. 2025.
MEIO & MENSAGEM. Por que você precisa pensar sobre a geração Z agora e não depois. 2021. Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2021/05/28/por-que-voce-precisa-pensar-sobre-a-geracao-z-agora-e-nao-depois.html. Acesso em: 15 fev. 2025.
YOUTUBE. Box1824. TrueGen, A Geração da Verdade. 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Jr1pgfJpgWk. Acesso em: 15 fev. 2025.